quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Entrevista com Dr. Marcos Vargas Aleixo: "Benefício é global"


O dia 21 de setembro entrou para a história como a data da primeira intervenção cirúrgica cardíaca no sudoeste goiano. A façanha foi realizada no Hospital Presbiteriano Dr. Gordon pela equipe do Dr. Marcos Vargas Aleixo e completa o ciclo iniciado com a inauguração do Instituto de Cardiologia e Radiologia Intervencionista (ICRI). O chefe do grupo que já realizou quase 7 mil cirurgias cardíacas por todo o Brasil é formado há 23 anos pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e possui experiência de quase 10 anos ao lado do internacionalmente conhecido Dr. Euryclides de Jesus Zerbini. Dr. Aleixo concedeu uma entrevista em que relata as etapas do processo que possibilitaram o feito histórico para a medicina na região e diz que o benefício irá acarretar a chegada de outros serviços médicos ainda inexistentes em Rio Verde.

Quais foram os passos dados para que, no dia 21 de setembro, a primeira cirurgia cardíaca fosse realizada?
Tudo começou com o Dr. Paulo Roberto Ferreira Tartuce. Ele tem um grande mérito nesse processo. Há quatro anos ele me ligou e perguntou “Mário, você quer vir operar em Rio Verde?”. Eu respondi que sim. Na época eu não tinha condições de atender o chamado, mas a gente pensava em montar uma estrutura e já sonhava que era possível. Ele me fez acreditar na idéia. Com isto fizemos várias reuniões. Eu vim várias vezes a Rio Verde. Foi uma longa batalha. Começou com hemodinâmica e cardiologia intervencionista aqui em fevereiro desse ano. Este foi o primeiro passo para a cirurgia cardíaca. A partir daí tivemos mais chances de vir pra cá porque o Hospital Evangélico Dr. Gordon e a hemodinâmica fizeram investimentos muito altos. Para a cirurgia cardíaca atuar em um local é preciso ter várias especialidades e muitos exames em volta: hemodinâmica, ecocardiograma, tomografia, uma UTI e um centro cirúrgico muito bem aparelhados, os anestesistas especializados, enfim, muita coisa que não acontece da noite para o dia e sem muita devoção. Toda essa melhora já foi um benefício muito grande para os pacientes da região. A partir daí, quando a gente viu que existia toda essa estrutura começamos a fazer um investimento maior, que culminou com a primeira cirurgia. Uma troca de válvula aórtica com um implante de prótese metálica. Ela é feita por uma máquina de circulação extra-corpórea. O coração pára e enquanto isso a máquina fornece sangue e oxigênio para os outros órgãos. Trocamos a válvula e o coração volta a bater novamente. Enfim, houve uma estruturação muito grande para que essa cirurgia pudesse ser feita.


A estrutura está totalmente pronta?
Noventa e nove por cento pronta, eu diria. A partir de agora alguns detalhes vão ser azeitados. Pode ter certeza que essa especialidade precisa de muito mais estrutura do que qualquer outra especialidade. Tive esperança de que era possível. O hospital fez várias reformas na UTI, no centro cirúrgico, comprando vários aparelhos novos, como ventiladores mecânicos e monitores. O hospital mandou um perfusionistas e dois anestesistas para treinamento em Goiânia.

Como é composta a sua equipe?
Dessa vez viemos em três médicos: eu, um perfusionista e um anestesista. Uma instrumentadora também nos auxilia. Tivemos de trazer todo o material cirúrgico. Nos primeiros seis meses nós traremos todo esse material. Posteriormente, o material vai ser comprado e deixado no Dr. Gordon.


Qual é a capacidade de atendimento? De início, quem pode se beneficiar disso?
Inicialmente, estamos atendendo alguns convênios como Unimed e Ipasgo, principalmente. O credenciamento como instituição de alta complexidade já foi solicitado pelo hospital ao SUS há nove meses e ainda esperamos resposta. Fizemos um estudo da população atingida e, em todo o sudoeste goiano, iremos beneficiar algo em torno de 700 mil pessoas. Em todo o Brasil, 80% das cirurgias cardíacas são realizadas pelo SUS.


Com que freqüência as cirurgias estão sendo realizadas?
Na verdade, como Rio Verde tem os grupos de hemodinâmica e grupos de cardiologia, eles resolvem algo perto de 90% da demanda. Quando existe a necessidade da cirurgia a gente vem. Acredito que inicialmente viremos duas vezes por mês. Com o credenciamento do SUS, deveremos operar praticamente todos os dias.


Existe alguma expectativa de data em relação ao credenciamento do SUS?
A minha esperança é que isso ocorra até o final do ano. Em dezembro, talvez. A solicitação foi feita em dezembro do ano passado, e a resposta ficou de ser emitida dentro de um ano. Para o credenciamento como centro de alta complexidade, temos de passar por vistoria do ministério público, ministério da saúde, secretarias municipal e estadual de saúde. Após a aprovação desses, vem o pessoal do Instituto do Coração de São Paulo e alguém do governo federal. Atualmente foi feita vitória municipal e estadual.


A chegada dessa evolução pode acarretar na chegada de outros serviços médicos igualmente importantes e ainda inéditos na região?
Tenho certeza absoluta disso. O início foi a hemodinâmica, agora a cirurgia cardíaca e, posteriormente, outros serviços como a ressonância magnética. Tudo isso vem junto. O bom é que quando se traz um serviço de alta complexidade vêm outros benefícios atrás. Quando você traz um serviço de alta qualidade, como a cirurgia cardíaca, a gente sempre traz gente boa junto. Tem que ter pessoas de gabarito para fazer o pós-operatório, a clínica desse paciente mais tarde, o atendimento, os anestesistas melhoram sua capacidade de atendimento. Com isso, a melhora vai ser global. É preciso de uma formação muito qualificada para possibilitar tudo isso.

Acreúna vive "tsunami" verde

Em um raio de 40 quilômetros da cidade de Acreúna, existem sete usinas de cana-de-açúcar. Seis delas estão em pleno funcionamento e a Usina Canadá, que investiu quase R$ 100 milhões na construção da fábrica de etanol, plantio de cana e contratação de mão de obra, deverá entrar em operação em maio de 2008. Com isso, cerca de 30% dos quase 200 mil hectares de área agricultável existentes no município já foram tomados por canaviais. O crescimento só não foi maior porque, interessados na valorização de suas terras, alguns proprietários rurais aguardam o início das operações da Usina Canadá para obter melhores condições de negociação."Podemos observar que nossa região vive um fenômeno idêntico ao que ocorreu no interior de São Paulo há 30 anos. O desafio agora é evitar o monopólio e criar formas de nivelar a disputa entre os produtores rurais e as usinas", defende Rogério Marquez, vice-prefeito de Acreúna. Segundo ele, o fenômeno só pode ser comparado à monocultura do algodão que perdurou por anos no município. "Em uma perspectiva realista, temos subsídios para acreditar que, a exemplo do algodão no passado, a cana-de-açúcar deverá cobrir até 80% de todas as terras agricultáveis do município, até porque as usinas tendem a investir também na geração de energia e produção de açúcar", avalia. Criada há um ano e meio pela prefeitura, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente não entrou em funcionamento por falta de uma portaria efetivando o órgão. Somente com a existência da pasta, o município poderia criar conselho e fundo municipais. O vice-prefeito não tem dúvidas de que a demora para o prefeito assinar a portaria acarreta prejuízos para Acreúna. "Se a secretaria já existisse, hoje estaríamos licenciando novos projetos e fiscalizando as queimadas e o plantio em áreas de preservação permanente. Do jeito que está, em caso de um acidente ambiental, dependemos da atuação de instituições de fora", critica. Ele afirma, ainda, que sem um código municipal do meio ambiente e um gestor na área, a administração municipal deixa de receber verbas da Agência Estadual do Meio Ambiente e do Ministério do Meio Ambiente.

Custo social
Marquez se diz preocupado com o fato da maioria das usinas estarem instaladas nos municípios limítrofes - como Paraúna, Santa Helena, Turvelândia e Maurilândia - e utilizarem terras de Acreúna para a plantação da cana. "No fim das contas, como somos uma espécie de pólo da região, a arrecadação vai para os vizinhos e a Prefeitura de Acreúna arca com os custos sociais", analisa. O vice-prefeito alega que o poder público não possui condições de arcar com as despesas provenientes da chegada de milhares de trabalhadores vindos do Nordeste. "Atualmente, eles já somam mais de 1,5 mil pessoas e, com o tempo, começarão a trazer seus familiares para a nossa cidade. O apoio financeiro das usinas para a construção de uma infra-estrutura que atenda esse contingente será fundamental." No entanto, o superintendente da Usina Canadá, Newton Chupri, disse à reportagem da Tribuna que a empresa ainda não definiu de que forma poderá contribuir no combate às mazelas sociais na cidade. A grande ajuda da indústria, na visão dele, será a geração de cerca de 1,2 mil empregos diretos.Na opinião do vice-prefeito, o grande desafio da instalação da monocultura é evitar o esmagamento dos pequenos e médios produtores rurais pelos grandes usineiros. "Especialmente aqueles que sempre estiveram ligados historicamente à produção de grãos e não sabem trabalhar com outra coisa. Esses homens não podem ficar à margem do desenvolvimento", advoga. E prossegue: "A criação de cooperativas pode ser uma alternativa para que o pequeno produtor negocie de igual para igual com o grande empresário".Marquez está convicto de que as benesses da instalação das grandes usinas ainda não puderam ser sentidas. "Por enquanto, não tivemos aumento na arrecadação e, como as usinas compram tudo o que necessitam de fora, o comércio vem sofrendo um duro efeito negativo.” (leia matéria abaixo) De acordo com ele, até o final do ano, prefeitura e Câmara devem realizar uma audiência pública com a participação dos usineiros para discutir formas de amenizar os custos sociais e o impacto ambiental da monocultura. "Estamos conscientes de que a lei que limita em 10% da área agricultável para a cana em Rio Verde não pode ser aplicada aqui. Nossa área é muito menor e ainda não contamos com o mesmo poder das indústrias e do comércio da cidade vizinha."

REPERCUSSÃO

Comerciantes e ruralistas estão apreensivos
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Acreúna, Ramilton Souza Pereira, confirma que o comércio local vem sofrendo baixas todos os meses. Na sua ótica, porém, o problema é mais amplo. "As empresas que estão fechando as portas são aquelas que não fizeram um planejamento para enfrentar as tribulações. Não se deve atribuir as dificuldades somente à proliferação da cana-de-açúcar, mas à crise do agronegócio como um todo", raciocina. Segundo ele, o fechamento temporário da Coteminas, que deve demitir 600 trabalhadores até o final do ano em seu projeto de reestruturação, é o principal responsável pela crise no comércio.Mais contundente, o presidente do Sindicato Rural do município, Afonso Henrique Pires, prevê um grande caos social em função da monocultura da cana na região e um impacto econômico negativo e irreversível. "Não existe um planejamento para as outras culturas, que serão pulverizadas. Os pequenos e médios produtores serão extintos porque não terão outra opção a não ser arrendar ou vender suas terras. O cooperativismo funciona para outras áreas, não para o setor sucroalcooleiro. É tolice pensar que o pequeno produtor terá condições de negociar com as multinacionais", teoriza. O efeito da monocultura canavieira, na visão do líder ruralista, será devastador. "Os usineiros adquirem tudo de fora, desde o parafuso até as grandes máquinas", enumera. Para ele, faltam políticas adequadas ao setor por parte de todas as três esferas do poder. "Os governos deveriam promover a conscientização da população sobre o assunto. Além disso, o financiamento para a construção de novas usinas deveria ser limitado de acordo com as características e a vocação de cada município."