terça-feira, 25 de setembro de 2007

"PT fez esquema criminoso em Montividiu"

Três meses e sete dias após ter assumido o cargo de prefeito de Montividiu, no dia 1º de janeiro de 2005, Adolfo Gonçalves Pereira (PPS) teve seu mandato cassado em virtude de condenação por prática de crime eleitoral. Dois dias depois, Marcelo Silva Santos (PHS) perdeu o seu diploma de vereador pelo mesmo motivo. Agora, desde o último dia 12 - ironicamente a mesma data em que Renan Calheiros (PMDB) fora absolvido no Senado -, os dois começaram a cumprir pena de seis anos de prisão no regime semi-aberto em Rio Verde. Entre os 186 prefeitos cassados desde as últimas eleições municipais em todo o Brasil, Adolfo é o único que está preso. Ele e o ex-vereador acusam o Partido dos Trabalhadores da criação de uma farsa para subir ao poder.Além da obrigação de pousar todas as noites na cadeia, de segunda a sexta-feira, e de permanecerem presos todos os finais de semana e feriados, durante seis anos, os dois foram condenados a uma multa de 10 mil UFIRs e outra de mais de R$ 30 mil. Eles ainda perderam os direitos políticos por oito anos. "Não bastasse a cassação do mandato, fomos submetidos a uma quantidade de penalidades exagerada por apenas um crime", advoga Adolfo, que foi vice-prefeito em 1988, prefeito em 1992, novamente vice-prefeito em 2000 e, pela segunda vez, eleito prefeito do município emancipado de Rio Verde em 1987. Em seu lugar, assumiu o segundo colocado na disputa majoritária, Edson Bueno Coutinho (PT), e a cadeira que Marcelo tão brevemente ocupou na Câmara foi avocada pelo suplente Luiz Carlos Ribeiro. Os dois afirmam estar de cabeça erguida e dispostos a contestar a sentença proferida pela juíza da Justiça Eleitoral Stefane Fiúza Cançado Machado e levada à execução pelo juiz da 4ª Vara Criminal de Rio Verde, Levine Raja Gabaglia Artiaga. A magistrada acatou a denúncia criminal feita pelo Ministério Público Eleitoral de compra de votos e transporte de eleitores de Rio Verde para Montividiu para fraudar as eleições. Poucos dias após o resultado das urnas, cinco eleitores formalizaram declaração pública em um cartório de Goiânia alegando que, a mando do ex-prefeito, o vereador cassado teria oferecido R$ 50 a cada um deles para que votassem no candidato do PPS. "Não existe nenhuma prova documental", contesta Adolfo. Segundo o ex-parlamentar, as pessoas que fizeram a denúncia na capital eram pobres e analfabetas e teriam sido orquestradas pelas mãos do PT do atual prefeito e presidente da sigla. "Em Rio Verde e Montividiu existem cartórios. Para quê ir até Goiânia fazer a denúncia? Será que isto não interferiu na montagem do processo?", insinua. O ex-prefeito rebate a denúncia de que teria oferecido refeição em sua residência para eleitores com uma crítica aos órgãos fiscalizadores. "Com a fiscalização do juiz, promotores, polícia e dos próprios adversários, se isso fosse verdade, por que não quiseram me prender em flagrante?", questiona. "Além do mais, se existiu realmente compra de votos, as pessoas que venderam os votos também deveriam estar presas", adiciona.

"Bode expiatório"
Os advogados dos dois sentenciados trabalham com a tese de que o PT teria criado uma ardilosa estratégia para tomar o poder indiretamente em todos os municípios em que ficasse em segundo lugar. "Desde o período da campanha, os petistas afirmavam que iriam conquistar a prefeitura por bem ou por mal", ataca Marcelo. Como eram analfabetos, sustenta ele, os denunciantes tiveram suas assinaturas forjadas por funcionários do município. O ex-prefeito e o ex-vereador acreditam que deveriam ser colocados em regime domiciliar por não oferecerem perigo para a sociedade e apontam contradições na forma de cumprimento da pena estabelecida pelo juiz da Vara Criminal. "O próprio dr. Levine alardeia que o semi-aberto é destinado para progressão de pena, ou seja, criminosos que já cumpriram parte da sentença e evoluíram para essa condição e também para os que foram condenados a menos de oito anos de cadeia. Somos os primeiros e únicos a ir direto para o semi-aberto", critica Adolfo.Em relação ao juiz eleitoral da Comarca de Rio Verde, José Proto de Oliveira, o ex-prefeito é ainda mais contundente. "Tenho certeza absoluta de que ele não põe a cabeça no travesseiro com a mesma tranqüilidade que eu. Ele causou prejuízos para toda a população de Montividiu." Adolfo acusa o magistrado de arbitrariedades e de impor sua vontade acima das determinações da lei. "Ele passou por cima do Legislativo ao empossar e diplomar o prefeito, uma atribuição que cabe ao presidente da Câmara." Segundo Adolfo, a mudança repentina no comando do Executivo deu origem à paralisação de diversas obras sociais para Montividiu. "Como eu era um prefeito aliado ao governador, tinha bom trânsito político e maneiras mais eficientes do que o atual prefeito de conseguir recursos para a construção de um terminal rodoviário, uma creche e um asilo. O meu sucessor não possui capacidade para dar seqüência aos projetos", protesta. Os dois não titubeiam ao dizer que a condenação deverá ser utilizada por seus adversários no processo sucessório do ano que vem e ao reclamar que, até agora, não receberam manifestações de solidariedade de nenhum de seus aliados políticos.

Autoridades rebatem críticas
O atual prefeito do município, Edson Bueno Coutinho, negou que o Partido dos Trabalhadores tenha montado qualquer tipo de esquema ilícito para forçar a cassação do mandato de Adolfo Gonçalves Pereira. "A Justiça comprovou que, de fato, houve captação de sufrágio, ou seja, mais de 1,5 mil eleitores foram trazidos de fora para votar em Montividiu", explica. Segundo Edson, as pessoas que procuraram o Ministério Público em Goiânia para denunciar a compra de votos agiram por conta própria. "Eles decidiram protocolar as denúncias na capital por medo de sofrerem represálias, caso fizessem as acusações em Montividiu ou em Rio Verde", complementa. "Ele pode falar o que quiser. O fato é que nossas acusações foram comprovadas pela Justiça", pontua Edson.José Proto de Oliveira, juiz da comarca de Rio Verde, disse que as acusações do ex-prefeito carecem de fundamentação e embasamento. "Ele recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral e perdeu. Depois, entrou com objeto de recursos no Tribunal Superior Eleitoral e a minha decisão novamente foi mantida. Então, se eu tivesse sido arbitrário, minha decisão não teria sido aprovada em todas as instâncias", declara. Já o juiz da 4ª Vara Criminal de Rio Verde, Levine Raja Gabaglia Artiaga, afirma que apenas cumpriu a sentença proferida pela juíza eleitoral Stefane Fiúza Cançado Machado. "Ela determinou que a pena começasse a ser cumprida a partir do regime semi-aberto, em conformidade com o que estabelece o Código Penal". O magistrado esclarece que o benefício do regime domiciliar só é permitido aos condenados acometidos de doenças graves e que precisam de tratamento permanente. "O fato de não oferecerem perigo para a sociedade não justifica a progressão para outro tipo de regime." Para evoluírem para o regime aberto, os condenados terão de cumprir pelo menos um sexto da pena.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

O Padre Rebelde

“Padre Mariano Ignácio de Souza. Vigário desta freguesia (31 annos). Nesta cova está apenas o seu corpo alquebrado pelos annos e pelos desenganos. A sua alma, esta está no coração das crianças pobres que ele amou”





Defensor ferrenho das propriedades da Igreja Católica em Rio Verde no final do século 19 e nas primeiras décadas do seguinte, Padre Mariano, primeiro vigário e autor da ordem de construção da Igreja São Sebastião, tem seu túmulo redescoberto após 80 anos em uma reforma do prédio. Morto, tornou-se uma lenda. Em vida, o pároco foi expulso do município e retornou por força de Carta Imperial. Desafiou costumes do celibato e da sociedade de sua época para poder viver com duas mulheres. Além disso, vingou-se da truculência dos oligarcas com pragas tremendas.


O transcorrer da reforma na Igreja São Sebastião tem revelado mais do que os sinais do tempo, como paredes corroídas e um teto que, como querem os católicos, só não havia caído por força do santo padroeiro do município. Os reparos estruturais e de estilo no templo mais antigo de Rio Verde desvendaram o que era uma incógnita até mesmo para muitos religiosos: o local exato da sepultura de Padre Mariano Ignácio de Souza, enterrado no templo no dia 23 de março de 1917. Foram precisos oitenta anos para que - praticamente por acaso – os trabalhadores da reforma iniciada em abril deste ano encontrassem, logo atrás do altar e sob um piso de cimento, o sepulcro do primeiro pároco da igreja e autor da ordem de sua construção em 1907.
Designado para a Freguesia de Nossa Senhora das Dores do Rio Verde em 1887 e dono do nome da praça localizada em frente à basílica, o padre figura como uma das figuras mais autênticas nos 159 anos de história do município. Testemunhas de um passado distante no tempo, como Maria Rosa de Jesus, de 106 anos, que recebeu dele o batismo e presente em seu sepultamento, relatam que o homem protagonizou inúmeros causos, mesmo depois de sua morte. Filha de um dos oleiros responsáveis por uma grande parte do que foi construído na pequena cidade de então e neta de uma das primeiras escravas libertas no final do século 19 na região, ela se recorda que o padre vivia em uma chácara onde hoje existe o campus da Fesurv - Universidade de Rio Verde. Segundo ela, muita gente evitava transitar perto do lugar por ter ouvido histórias de aparições do religioso. Outros garantiam ter se deparado com a imagem fantasmagórica de seu caixão em outras localidades, como beiras de rios ou próximo da igreja.
Se mesmo depois de morto o antigo pároco da São Sebastião foi capaz de gerar polêmica, em vida foi ainda mais intrigante. Não somente por ter quebrado costumes do celibato, mas também de sua época. Padre Mariano viveu em matrimônio com duas mulheres ao mesmo tempo: Joaquina Alvez Viana, conhecida vulgarmente como “Sá” Joaquina, e Ignês Pauliciana Ribeiro, ambas notórias na comunidade por serem extraordinariamente gordas e altas. De acordo com o relato da hoje centenária rio-verdense, as duas nunca conseguiram ter controle sobre o ciúme e se atracavam em público por questões pequenas. Diante disso, ele acabou tendo de se explicar perante as autoridades eclesiásticas. A pressão resultou no seu licenciamento da Igreja São Sebastião para que fosse reger a Paróquia de São Domingos do Araxá, em Minas Gerais. Conta no livro Goiás, de Victor Coelho de Almeida, que o modo patriarcal de vida dos vigários era prática corrente no sertão. Mas a poligamia talvez não.

Em uma época em que os limites das propriedades eram costumeiramente marcados com sangue, ele sofreu enormes coações por ter enfrentado o poder dos oligarcas em defesa do patrimônio da igreja. No dia em que partia para o exílio mineiro – uma jornada que duraria mais de 30 dias - um rico coronel lhe preparou uma despedida cruel e sarcástica. Conhecido apenas como Souza, ele encomendou a seis de seus capangas uma salva de fogos e todo o tipo de afronta moral para comemorar a derrota do ministro católico. Graças à bondosa interseção de um fazendeiro em favor do padre, o homem acedeu, retirando-se da porta da residência do pároco. Consta que, abatido e chorando sobre o dorso de um cavalo, antes da melancólica viagem padre Mariano rogou uma praga tremenda ao mandão: o coronel haveria de “morrer varado de balas da cabeça aos pés”. Tempos mais tarde, após uma desavença na freguesia, o poderoso encontrou o destino anunciado pelo religioso.
Em outra ocasião, um senhor conhecido como Guido esteve no templo à procura de padre Mariano para que este batizasse uma criança. Sem ter encontrado o pároco em lugar nenhum da cidade, foi achá-lo em uma fazenda. Furioso, ele chegou ao local disposto a dar uma surra no pároco. “Sá” Joaquina, então, atirou-se a seus pés, implorando clemência. Mesmo assim, padre Mariano foi conduzido de volta à igreja sob xingamentos e safanões. Depois de abençoar a criança, recebeu em troca novos desaforos. Diante da circunstância, proferiu mais uma maldição que, conforme garante o autor do livro, teria se cumprido mais tarde: Guido haveria de passar “largos anos entrevado em uma cama”.
Após quase um ano de exílio, padre Mariano retornou a Rio Verde por conta de uma Carta Imperial que o distinguia como vigário colado. Por parte de alguns poderosos, reencontrou um ambiente hostil, mas, no salão da Câmara Municipal, que funcionava à Praça da Matriz (hoje Ricardo Campos), foi realizado um baile para celebrar o acontecimento. Além das ciências comuns dos clérigos, ele era exímio conhecedor do vernáculo e da língua francesa. Formalista, mas dono de rompantes de nervosismo, escreveu, de volta a Minas Gerais, uma carta de desabafo e rancor ao Bispo Dom Eduardo que, entre outras coisas, continha os seguintes dizeres: “Estou cansado do sertão, desanimado das lutas estéreis, onde não se tem menor garantia, nem espiritual, nem pessoal, nem social (...) Lugar disciplinado só para assassinos e valentões bafejados pela perfídia dos velhos capitães mores e sub-régulos responsáveis perante Deus pelas muitíssimas mortes de que foram autores e causadores: é um horror!(...) Pobre Freguesia, qual uma esposa adúltera rejeitada por todos os vigários que infelizmente ali vão esposá-la na boa fé da Freguesia rendosa, (...) obstruindo os caminhos do Senhor!”.
Em sua lápide está escrita a seguinte mensagem: “Padre Mariano Ignácio de Souza.
Vigário desta freguesia (31 annos). Nesta cova está apenas o seu corpo alquebrado pelos annos e pelos desenganos. A sua alma, esta está no coração das crianças pobres que ele amou”.

“Endeusamento do artista é péssimo”


Uma das maiores personalidades da cultura brasileira no mundo, o pianista Arthur Moreira Lima aportou em Rio Verde para uma apresentação a céu aberto no Calçadão no dia 23 de junho de 2007. O carioca de 67 anos já fez turnês em todos os continentes, lotando as principais salas de concertos do mundo e, desde 2003, refaz os passos de Juscelino Kubistchek pelos rincões do Brasil. De lá para cá, já percorreu quase 200 municípios com o projeto Um Piano pela Estrada, Nos Caminhos de JK. A entrevista foi gravada no Bar 5ª Essência, onde, entre um chopp e outro, ele defendeu o papel transformador do artista na sociedade e revelou a influência do pensamento de Leonel Brizola e Darci Ribeiro. Para ele, o endeusamento de artistas representa sublimação da inveja dos fãs.


Entre as orquestras que o senhor já se apresentou estão a Orquestra Sinfônica Brasileira, as Sinfônicas de Berlim e Viana e as Filarmônicas de Varsóvia, entre outras. Nessa fase atual o sr. tem tocado em cidades pequenas do interior, passando por apresentações até mesmo em tribos indígenas e populações ribeirinhas. Qual é o aprendizado que o artista tira do público através dessa experiência?
Eu aprendi que, no geral, o público que parece mais sofisticado não é o mais sofisticado ou sequer possui uma sensibilidade maior para a arte. Muitas vezes, ele só tem mais poder econômico e mais oportunidades de acesso para esse tipo de manifestação artística. Tenho encontrado muitos diamantes não lapidados em vários lugares, muito talento mesmo. Por que não é só o talento para tocar determinado instrumento, é o talento para receber e apreciar a obra de arte. Quando eu era pequeno existia uma empregada na casa da minha mãe que só escutava música clássica no rádio. Não era por causa de religião nem porque alguém falou, ela realmente gostava daquilo. O fato de ser pobre e uma ignorante aos olhos da maioria não impediu que ela desenvolvesse a sensibilidade de apreciar música erudita. Na verdade, não deveria existir nenhuma contradição nisso.


Desde 2003, o sr. já se apresentou em mais de 200 municípios brasileiros. Isso após ter conquistado prestígio nacional e internacional. O que o projeto Um Piano pela Estrada representa na sua carreira?
Eu não acho que eu tenha bem o que se chama de carreira, mas algo como uma profissão de fé mesmo. Eu me vejo mais ou menos como um padre de uma cidade pequenininha do interior, que pensa no seu rebanho e em ir, pouco a pouco, apascentando as ovelhas. Um padre que não quer ser papa, nem cardeal, nem nada, mas apenas se dirigir aos irmãos dele. Tem médico que vai para o interior e, enfim, se contenta em ganhar uma galinha ou um porco e salvar vidas. Vale muitas vezes mais do que um medalhão que fica lá cobrando uma fortuna para te atender. Transferindo isso para a música, eu atingi um patamar de sucesso na minha profissão em que eu posso me permitir fazer essa busca que para mim é uma referência do ser humano, do brasileiro. Muito mais do que esse endeusamento que muitos artistas promovem ao redor de si e todas essas bobagens. Eu trabalho pela dessacralização da música que eu toco para um povo tão profundamente agradecido que é o brasileiro. Então, antes de ser pianista, artista, qualquer coisa, eu sou um brasileiro. Eu gosto de ser brasileiro. Eu não sei por que, mas eu gosto pra valer. Eu acho que todos que nascem aqui nascem com o dom dessa abstração político e geográfica fabulosa que eu chamaria de alma brasileira. A gente é condenado a muita chateação também, mas tem esse lado que é simplesmente mágico.


O artista, então, deve exercer uma função social?
Eu tenho certeza que sim. Eu acho que o Brasil precisa se afirmar. Eu acredito estar dando a minha pequena contribuição para a gente se tornar uma nação. Nós temos tudo para isso. Eu tive a sorte e a honra de trabalhar com Leonel Brizola e Darcy Ribeiro no governo do Rio de Janeiro, como secretário de Cultura. O Darcy, que foi uma das pessoas mais iluminadas que eu já conheci, uma alma bonita e um dos brasileiros mais brilhantes e interessados com os problemas da sociedade... a sensibilidade do Brizola, aprendi muito com eles. Eu acho interessante que hoje, depois que o Brizola morreu, todo mundo reconheça o que ele fez. Até os que não gostavam dele. Isso é mesmo impressionante. Eu tive o privilégio de levar atenção e cultura para pessoas carentes do Estado ao lado desses dois homens, tenho certeza de que foi um trabalho que ajudou a quebrar a idéia de relação das pessoas com a arte, uma coisa autêntica que só seria possível no Brasil.


Antes de executar cada música, o sr. fala ao público sobre o momento histórico e político em que ela foi feita, sobre a vida do autor, enfim, contextualiza a platéia acerca daquela obra. Isto enriquece muito a maneira de entender a música...
Claro... é isso que dá toda a diferença. Você que é jornalista sabe que é importante passar um pouquinho de informação em tudo. Até no futebol a gente quer saber com quem o jogador namora, não é mesmo? Eu adoro futebol. Eu tenho mania de querer saber quantos anos tem o jogador, de qual clube ele veio, esse negócio todo. Olhe bem, o futebol é uma coisa importada e que faz parte da nossa cultura. A música clássica não faz, mas pode vir a fazer. Você tem que mostrar para as pessoas que você é igual a elas, que você não está em pedestal nenhum e que sabe que não é merda nenhuma. Eu sou uma pessoa que teve a oportunidade de estudar e de desenvolver um talento. Muitos outros não tiveram a mesma sorte, mas, como eu disse, o Brasil está repleto de diamantes que precisam ser lapidados. A gente precisa tratar as pessoas de igual para igual. Eu acho que o endeusamento do artista é uma coisa péssima. Eu sei que o povo necessita de heróis, mas ele não precisa da ligação que desperte em seu íntimo a inveja. Eu considero o fã a sublimação da inveja humana.


Ser um artista de música erudita faz o sr. se sentir de alguma forma oprimido diante da força da indústria cultural?
Não, sinceramente. Eu acho que sempre vão existir os nichos e que você tem que tentar convencer as pessoas. Isso em qualquer área da sua vida. Quando o Darcy e o Brizola resolveram montar toda aquela apoteose para as escolas de samba no Rio de Janeiro, eles desagradaram aqueles que queriam ganhar dinheiro com as arquibancadas. Nesse ponto eu aprendi muito quando trabalhei no governo. As pessoas que chegam contrariando uma série de interesses causam reações. Basta ver a situação do Hugo Chávez na Venezuela. Existem várias formas de você conduzir uma pessoa a responder o que você quer em uma pesquisa. “Você concorda com o fechamento das televisões?” pode ser uma maneira de fazer isso. Eu não acredito em um monte de estatísticas que eu vejo na televisão. O povo da Venezuela não está contra o seu presidente coisa nenhuma. Eu vivi quase dez anos na União Soviética e sei disso, sobre as perseguições e tudo mais. Eu me considero um operário da cultura.

sábado, 1 de setembro de 2007

A casa dos loucos


Professores, engenheiros, e até um bancário, de 33 anos, que se incumbiu pessoalmente da missão de salvar toda a sociedade ocidental de um poderoso e, ao mesmo tempo misterioso, ataque atômico dos antigos comunistas do leste europeu. Uma senhora que não pára nunca de contar e que, baseando-se no dia do mês de nascimento do interlocutor, calcula imediatamente em que dia da semana será o próximo aniversário e também dos anos anteriores. Uma mulher que se julga uma riquíssima empresária. Um jovem que gosta de se gabar de suas fazendas imaginárias e promete volumosas doações em dinheiro para os colegas, funcionários e para as visitas. A mania de grandeza é comum à maioria dos mais de 100 habitantes nos dois sanatórios psiquiátricos de Rio Verde.
Responsável há quase 15 anos pelo tratamento dos pacientes que dão entrada no Hospital Marat de Sousa e no Sanatório Espírita Dona Marieta, o psiquiatra José Vitor Pires Bicalho não recebe exclusivamente pessoas que nasceram com doenças congênitas no cérebro. Entre os internos que moram cercados por muros altos, não é difícil encontrar gente que levava uma vida normal até bem pouco tempo e hoje passa por tratamento mental. Existem também pessoas que são tratadas por alguns meses e depois se recuperam totalmente, alcoólatras que atingiram estágios irreversíveis de loucura e, entre outros, pacientes que sofrem com quadros avançados de depressão ou mania de perseguição. A idade varia de 14 a 80 anos.
Embora não tenham sido condenados por nenhum tipo de crime, os deficientes mentais levam uma vida bastante semelhante com a de qualquer população carcerária. Há casos de internos que já receberam alta da direção há muitos anos, mas, rejeitados pela família e pela eterna incompreensão da sociedade, permanecem o resto da vida privados da liberdade. Os dois hospícios estão sempre com lotação máxima. Eles acolhem deficientes que, esquecidos pelos parentes, chegam sem ter mais do que a roupa do corpo e não nunca são procurados. “A família deixa o doente aqui e não vem trazer um lanche que seja, ou mesmo roupas novas e objetos de higiene pessoal”, reclama Andréa Rodrigues de Sousa, diretora do Hospital Marat.
O médico se diz testemunha de que o acompanhamento da família é fundamental no tratamento. Os pacientes abandonados, geralmente, entram em depressão e agravam os transtornos já existentes. A assistente social Mithela Izidoro Siqueira relata o caso de uma mulher que já recebeu liberação diversas vezes, mas depois retorna em situação pior. “Ela vem de uma família totalmente desequilibrada. Após pouco tempo sendo maltratada pelos parentes, ela volta com um quadro ainda mais triste.” É comum que alguns residentes permaneçam toda a vida esperando e perguntando pela volta dos que os deixaram ali.


Estrutura
O Hospital Marat de Sousa é uma empresa privada, criada em 1973 pelo psiquiatra que dá nome à instituição e que faleceu em 1983. O Sanatório, administrado por Silvani Martins da Silva, filha de Antônio Martins, que fundou a casa há trinta nos, é constituído como entidade filantrópica. As duas instituições recebem auxílio do Sistema Único de Saúde e também algumas doações da sociedade. Para atender as normas do SUS, cada uma conta possui equipe médica formada por psiquiatra, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, médico clínico e farmacêutico. O órgão federal exige cumprimento de regras definidas de hotelaria, medicação e alimentação.
A direção das duas casas faz campanha permanente para que a sociedade contribua durante todo o ano. Conforme protesta a advogada Márcia Cunha, auxiliar administrativa do Marat, o espírito de solidariedade da maioria da sociedade parece não sobreviver fora do natal. “Por não sermos uma instituição filantrópica, recebemos poucas contribuições”, considera.
O tratamento é individualizado, e o tratamento ambulatorialé feito de acordo com a deficiência. A eletro-convulsoterapia, popularmente conhecida como tratamento de choque, não é utilizada por falta de recursos. “Precisaríamos de uma estrutura que não temos, com sala especial de ressucitação e o acompanhamento de um anestesista”, explica José Vitor. Segundo o psiquiatra, apesar do preconceito que cerca o tratamento com ondas elétricas, ele ainda é uma das maneiras mais eficazes de se tratar os quadros mais avançados de loucura.


Atividades
Os residentes das duas casas praticam atividades lúdicas e se beneficiam das visitas de voluntários de clubes de serviço, entidades filantrópicas e grupos que se reúnem com o intento de levar solidariedade e diversão. Além de consulta laboratorial, fisioterapia e educação física, também são oferecidas aulas de artesanato, desenho e de cuidados pessoais e coletivos de higiene. No Marat, existe o “Dia da Beleza”, quando as residentes passam por maquiagem e manicure.
Uma vez por semana, a assistente social Marilaque Barros da Silva e a terapeuta ocupacional do Sanatório Mithcela Izidoro Siqueira, levam um grupo de até quinze pessoas para passear no centro da cidade. Até no cinema eles já estiveram. “Levá-los ao supermercado, à sorveteria praças, apesar do preconceito com que muitas vezes somos recebidos, é uma excelente forma de socialização”, garante a terapeuta.