terça-feira, 6 de novembro de 2007

Entrevista com Wagner Guimarães

Foto de Denísia Moura


O deputado estadual Wagner Guimarães (PMDB) está mais motivado do que nunca. Otimista com os resultados do último encontro do partido em Rio Verde, ele visitou a sede da Tribuna, no dia 29, e falou sobre as chances de se aliar ao seu colega de Assembléia Padre Ferreira (PSDB) para disputar a sucessão do prefeito Paulo Roberto Cunha (PP). Com um pé atrás em relação a coligações descabidas, ele admite ter medo de acordar ao lado de forças que buscam única e exclusivamente o poder. "Esta sempre foi a minha maior dificuldade", explicou. Em um desabafo, aproveitou para mandar um recado ao secretário municipal de Transportes, Sidnei de Sousa: "Venha brigar com o Wagner Guimarães, e não com um coitadinho."

Quando se fala na possibilidade de PMDB e o PSDB se unirem para disputar a sucessão municipal em Rio Verde, a grande questão é saber qual dos dois aceitaria abrir mão da cabeça de chapa. Qual é a chance real da aliança se concretizar e de que forma ela se daria?
Eu não sei responder qual é a chance real disso acontecer. Agora, é uma coisa viável, sim. Caso contrário, eu nem estaria trabalhando nesse sentido. Mas creio também que ainda é muito cedo para discutir o processo sucessório e não entendo o motivo da deflagração de toda essa discussão, inclusive com nossos sendo apontados tão cedo. Todos nós sabemos das dificuldades de uma campanha e acho que a próxima será ainda mais complicada. Enquanto não for adotada a prática de se fazer política conversando com a população, a coisa não avança e as campanhas continuarão à base de alto custo financeiro. Então, eu creio que essa possibilidade existe, senão eu nem comentaria o assunto com você. Agora, terá sucesso? Não sabemos. Não concordo quando se fala que todos devem se unir para derrotar o atual prefeito, apesar de toda a sua incompetência e ineficácia. Não penso por esse lado. Penso que, dentro do possível, devemos formar uma aliança política visando o bem da cidade de Rio Verde. Não concordo com essa idéia de quanto pior, melhor. Existem pessoas que acham que talvez me falte dizer certas palavras contra o prefeito. Primeiro que não é uma briga pessoal. Deixo bem claro que não tenho nenhuma aproximação de afeto ou de fraternidade por ele, mas também não levo a questão política para o lado pessoal ou avalio que, quanto pior for a sua administração, melhor será para o meu grupo. Então, é possível essa aliança, mas dentro das forças políticas não sei se vai prevalecer essa possibilidade entre PMDB e PSDB. Nunca dei nenhuma entrevista dizendo que sou candidato a prefeito. Eu sou um pré-candidato. Dependo, antes de qualquer acerto com outros partidos, do PMDB para ser candidato. Eu posso te declarar é que não serei candidato a vice. Como também, se fizermos aliança com o PSDB, acredito que o deputado Padre Ferreira não aceitará ser candidato a vice. Eu, particularmente, não vou deixar de exercer o restante do meu mandato na Assembléia Legislativa para ser candidato a vice.

Uma coligação entre PMDB e PSDB seria apenas um projeto de poder ou existem realmente afinidades ideológicas entre as duas siglas no Estado?
Eu considero extremamente oportuno o seu apontamento. É justamente baseado nessa premissa que eu digo sempre que tem que ser uma aliança visando melhorar a cidade de Rio Verde. Tenho uma dificuldade enorme de fazer alianças por causa dessa questão sempre tão crucial. Diante de uma campanha, não adianta fazer aliança visando apenas a vitória. Temos de ter consciência de que, depois da vitória, vem um período muito mais sério, que é o exercício do poder. Se você ganhar e acordar com forças completamente antagônicas - não vou dizer no campo ideológico, até porque nesse sentido os partidos estão todos nivelados por baixo -, tem de ter algo a mais em comum para poder desempenhar o poder dentro de um esquema de forças a princípio adversárias, porém imbuídas do propósito de fazer o melhor pela coletividade. Esta é a minha grande dificuldade. Por incrível que pareça, de todos os partidos, PMDB e PSDB são os que deveriam ter as maiores afinidades. Muita gente não sabe a origem das duas siglas. O PSDB nada mais é do que uma dissidência do PMDB que começou no Estado de São Paulo. Em Goiás, é que se criou toda essa diferença, uma divergência muito mais pessoal do que de princípios e conceitos. Antes de dar meus passos, eu converso internamente no partido. Conversei com o prefeito de Goiânia, Iris Rezende, muito antes de que fosse aventada a possibilidade de se fazer essa aproximação. É uma questão local, uma questão de Rio Verde.

Como o senhor avalia o quadro do PMDB após o fim do período de filiações partidárias?
Muito mais do que minha avaliação, a maior resposta para essa pergunta é o sucesso que foi o encontro do PMDB, realizado no dia 27, no tatersal do Sindicato Rural de Rio Verde. Sem paixão, sem nada, digo que, de todos os eventos políticos que participei, esse foi o melhor em todos os sentidos. Seja pela presença de membros do partido, visitantes de partidos aliados ou que podem se tornar aliados, visitantes ilustres, etc. Recebemos muitas forças políticas de fora do PMDB. Foi uma demonstração da importância da sigla hoje no contexto da política em Rio Verde. Recebemos várias filiações. Sem querer desmerecer qualquer uma delas, duas me agradaram muito pelo significado histórico da política local: a do vereador Cesinha e a do ex-vereador Gerlos. Os dois são de famílias tradicionais e nunca estiveram ombreados ao PMDB na política local. Essas filiações valem muito pela qualidade. Ambos têm uma representação partidária muito grande. O partido tem que ter responsabilidade ao oferecer uma ficha de filiação. Não adianta ter 10 mil filiados. O que interessa é o mínimo necessário por exigência legal, mas que sejam pessoas comprometidas com os ideais da legenda.

Renata Nascimento, que foi candidata a vice-prefeita na sua chapa em 2004, trocou o PMDB pelo PDT, dizendo-se insatisfeita com a intenção do senhor disputar mais uma vez o Executivo rio-verdense. Outras figuras do PMDB de Rio Verde também se posicionam contrárias a uma nova candidatura de Wagner Guimarães. O que falta para compor o consenso interno?
Eu abomino o consenso interno no sentido que passou a ser empregado. Consenso não se faz atendendo caprichos de um pequeno grupo. O acordo não pode ser pessoal. Começa por aí. Todos que participamos de partidos políticos naturalmente temos projetos e idéias, mas nada disso pode ser pessoal. Esta é uma diferença que muitos ignoram. Nunca fui ungido dentro do PMDB a ser candidato. É bom ficar claro que eu fui presidente do PSDB e candidato a deputado estadual em 1994 com uma votação extremamente pequena e, logo que o PSDB chegou ao poder, eu saí e fiz uma opção pelo PMDB, indo para a oposição. É mérito? Acho que não. É questão de princípio político. Eu nunca estive em busca simplesmente de poder ou de suas benesses. A minha postulação à prefeitura em 2000 foi importante para o partido. Minha eleição em 2002 foi conseqüência disso e a mesma coisa em 2006. Eu não tenho receio de entrar em uma campanha. Em 2000 e 2004, enfrentei o atual prefeito, um cara que foi deputado federal e candidato a governador com o meu voto. É um direito de qualquer companheiro pretender disputar também. Mas eu nunca ameacei o partido. Eu nunca disse: 'ou sou candidato ou vou sair'. Não estou dizendo que minhas candidaturas foram unanimidades, mas que isso é natural. Tenho a minha linha. Jamais briguei com companheiros e não tomei nenhum ato cujo objetivo não fosse dignificar tanto o mandato quanto o partido na atuação parlamentar. Então, se o partido me tolher de uma pretensão, não é por isso que vou virar as costas e ir embora. Eu não fui para o PMDB porque havia uma grande possibilidade de Maguito Vilela se tornar governador em 2006.

O senhor disse que espera que essa campanha seja ainda mais difícil do que as anteriores. Por quê?
Eu não terei dificuldades porque até hoje sempre banquei as minhas campanhas. Acho que poderá ser mais difícil porque os rigores da lei estarão mais presentes do que nas outras campanhas. E isso é correto. Afinal, ninguém pode esperar boa coisa de quem gasta uma fortuna para conseguir um mandato. Duvido que uma pessoa destas esteja imbuída de bons propósitos. Tenho esperança nesse sentido. A consciência da população obriga o político a ter certos direcionamentos. Estou falando de cobrança popular.

Para que um candidato gaste os rios de dinheiro que o senhor falou em uma campanha, naturalmente isso só pode ocorrer com o financiamento de grandes forças econômicas.
Não sei falar sobre essa questão de comprometimento de candidato com empresas. Eu sempre banquei minhas campanhas utilizando recursos próprios, mas encerrei essa etapa. Eu tenho um certo patrimônio, mas não pretendo sacrificar mais a minha família por questões políticas. Demonstrei que é possível fazer campanha com respeito à inteligência do eleitor. Eu não estou na política para ser mais um dos que prometem e tapeiam. Hoje mesmo eu dei carona para um amigo que perdeu a bolsa estudantil da prefeitura que ele tinha ganhado na Fesurv. Houve promessa de bolsa integral na Fesurv, o que não aconteceu. E a 'grande' bolsa da OVG não está sendo repassada. Assim são as promessas. Aí tem que chamar o Didi Mocó pra fazer o 'me engana que eu gosto'. Tirando a campanha de 2000, em que o partido nos forneceu uma produtora, nunca recebi qualquer ajuda financeira. Os candidatos locais aproveitavam os eventos do candidato do partido ao governo. A frustração está aí. Quero aproveitar esse desapontamento e fazer um desabafo. Eu tenho uma patrola que foi comprada em um leilão público há alguns anos. Comprei a máquina para não depender de poder público e não depender de vontade de prefeito. Embora da minha fazenda saiam cerca de R$ 200 mil só de ICMS, dependo de 24km das minhas terras - metade no município de Paraúna e metade em Rio Verde - para chegar até o asfalto. Paguei R$ 70 por hora para uma pessoa fazer o serviço. Acontece que o secretário de Transporte de Rio Verde, Sidnei Silva e Sousa, foi lá embargar, alegando que a máquina estava sendo usada para fazer política e que tudo estava sendo feito para uso posterior. Ele ameaçou até apreender a minha máquina, mas felizmente não o fez. Só que o mesmo secretário se esquece de que, ao lado da minha fazenda, foram máquinas do município prestar serviço em uma propriedade particular. Eles não foram arrumar uma estrada, mas prestar serviço em uma fazenda. Eu uso a minha máquina, ou seja, não devo satisfação para secretário ou prefeito. Quero é que ele explique a prestação de serviço em outro município, em uma propriedade particular. Será que eu não tenho gravações? Talvez eu tenha filmagens e fotografias. Pode ser que eu tenha registro do maquinário. É um funcionário da prefeitura que trabalha quando está de folga. Não é de graça, até porque ele precisa complementar a renda. Por isso, acho que ele está no corredor e vai ganhar só o básico. Venha perseguir o Wagner Guimarães. A gente tem que brigar com gente do nosso tamanho ou maior.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Entrevista com Dr. Marcos Vargas Aleixo: "Benefício é global"


O dia 21 de setembro entrou para a história como a data da primeira intervenção cirúrgica cardíaca no sudoeste goiano. A façanha foi realizada no Hospital Presbiteriano Dr. Gordon pela equipe do Dr. Marcos Vargas Aleixo e completa o ciclo iniciado com a inauguração do Instituto de Cardiologia e Radiologia Intervencionista (ICRI). O chefe do grupo que já realizou quase 7 mil cirurgias cardíacas por todo o Brasil é formado há 23 anos pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e possui experiência de quase 10 anos ao lado do internacionalmente conhecido Dr. Euryclides de Jesus Zerbini. Dr. Aleixo concedeu uma entrevista em que relata as etapas do processo que possibilitaram o feito histórico para a medicina na região e diz que o benefício irá acarretar a chegada de outros serviços médicos ainda inexistentes em Rio Verde.

Quais foram os passos dados para que, no dia 21 de setembro, a primeira cirurgia cardíaca fosse realizada?
Tudo começou com o Dr. Paulo Roberto Ferreira Tartuce. Ele tem um grande mérito nesse processo. Há quatro anos ele me ligou e perguntou “Mário, você quer vir operar em Rio Verde?”. Eu respondi que sim. Na época eu não tinha condições de atender o chamado, mas a gente pensava em montar uma estrutura e já sonhava que era possível. Ele me fez acreditar na idéia. Com isto fizemos várias reuniões. Eu vim várias vezes a Rio Verde. Foi uma longa batalha. Começou com hemodinâmica e cardiologia intervencionista aqui em fevereiro desse ano. Este foi o primeiro passo para a cirurgia cardíaca. A partir daí tivemos mais chances de vir pra cá porque o Hospital Evangélico Dr. Gordon e a hemodinâmica fizeram investimentos muito altos. Para a cirurgia cardíaca atuar em um local é preciso ter várias especialidades e muitos exames em volta: hemodinâmica, ecocardiograma, tomografia, uma UTI e um centro cirúrgico muito bem aparelhados, os anestesistas especializados, enfim, muita coisa que não acontece da noite para o dia e sem muita devoção. Toda essa melhora já foi um benefício muito grande para os pacientes da região. A partir daí, quando a gente viu que existia toda essa estrutura começamos a fazer um investimento maior, que culminou com a primeira cirurgia. Uma troca de válvula aórtica com um implante de prótese metálica. Ela é feita por uma máquina de circulação extra-corpórea. O coração pára e enquanto isso a máquina fornece sangue e oxigênio para os outros órgãos. Trocamos a válvula e o coração volta a bater novamente. Enfim, houve uma estruturação muito grande para que essa cirurgia pudesse ser feita.


A estrutura está totalmente pronta?
Noventa e nove por cento pronta, eu diria. A partir de agora alguns detalhes vão ser azeitados. Pode ter certeza que essa especialidade precisa de muito mais estrutura do que qualquer outra especialidade. Tive esperança de que era possível. O hospital fez várias reformas na UTI, no centro cirúrgico, comprando vários aparelhos novos, como ventiladores mecânicos e monitores. O hospital mandou um perfusionistas e dois anestesistas para treinamento em Goiânia.

Como é composta a sua equipe?
Dessa vez viemos em três médicos: eu, um perfusionista e um anestesista. Uma instrumentadora também nos auxilia. Tivemos de trazer todo o material cirúrgico. Nos primeiros seis meses nós traremos todo esse material. Posteriormente, o material vai ser comprado e deixado no Dr. Gordon.


Qual é a capacidade de atendimento? De início, quem pode se beneficiar disso?
Inicialmente, estamos atendendo alguns convênios como Unimed e Ipasgo, principalmente. O credenciamento como instituição de alta complexidade já foi solicitado pelo hospital ao SUS há nove meses e ainda esperamos resposta. Fizemos um estudo da população atingida e, em todo o sudoeste goiano, iremos beneficiar algo em torno de 700 mil pessoas. Em todo o Brasil, 80% das cirurgias cardíacas são realizadas pelo SUS.


Com que freqüência as cirurgias estão sendo realizadas?
Na verdade, como Rio Verde tem os grupos de hemodinâmica e grupos de cardiologia, eles resolvem algo perto de 90% da demanda. Quando existe a necessidade da cirurgia a gente vem. Acredito que inicialmente viremos duas vezes por mês. Com o credenciamento do SUS, deveremos operar praticamente todos os dias.


Existe alguma expectativa de data em relação ao credenciamento do SUS?
A minha esperança é que isso ocorra até o final do ano. Em dezembro, talvez. A solicitação foi feita em dezembro do ano passado, e a resposta ficou de ser emitida dentro de um ano. Para o credenciamento como centro de alta complexidade, temos de passar por vistoria do ministério público, ministério da saúde, secretarias municipal e estadual de saúde. Após a aprovação desses, vem o pessoal do Instituto do Coração de São Paulo e alguém do governo federal. Atualmente foi feita vitória municipal e estadual.


A chegada dessa evolução pode acarretar na chegada de outros serviços médicos igualmente importantes e ainda inéditos na região?
Tenho certeza absoluta disso. O início foi a hemodinâmica, agora a cirurgia cardíaca e, posteriormente, outros serviços como a ressonância magnética. Tudo isso vem junto. O bom é que quando se traz um serviço de alta complexidade vêm outros benefícios atrás. Quando você traz um serviço de alta qualidade, como a cirurgia cardíaca, a gente sempre traz gente boa junto. Tem que ter pessoas de gabarito para fazer o pós-operatório, a clínica desse paciente mais tarde, o atendimento, os anestesistas melhoram sua capacidade de atendimento. Com isso, a melhora vai ser global. É preciso de uma formação muito qualificada para possibilitar tudo isso.

Acreúna vive "tsunami" verde

Em um raio de 40 quilômetros da cidade de Acreúna, existem sete usinas de cana-de-açúcar. Seis delas estão em pleno funcionamento e a Usina Canadá, que investiu quase R$ 100 milhões na construção da fábrica de etanol, plantio de cana e contratação de mão de obra, deverá entrar em operação em maio de 2008. Com isso, cerca de 30% dos quase 200 mil hectares de área agricultável existentes no município já foram tomados por canaviais. O crescimento só não foi maior porque, interessados na valorização de suas terras, alguns proprietários rurais aguardam o início das operações da Usina Canadá para obter melhores condições de negociação."Podemos observar que nossa região vive um fenômeno idêntico ao que ocorreu no interior de São Paulo há 30 anos. O desafio agora é evitar o monopólio e criar formas de nivelar a disputa entre os produtores rurais e as usinas", defende Rogério Marquez, vice-prefeito de Acreúna. Segundo ele, o fenômeno só pode ser comparado à monocultura do algodão que perdurou por anos no município. "Em uma perspectiva realista, temos subsídios para acreditar que, a exemplo do algodão no passado, a cana-de-açúcar deverá cobrir até 80% de todas as terras agricultáveis do município, até porque as usinas tendem a investir também na geração de energia e produção de açúcar", avalia. Criada há um ano e meio pela prefeitura, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente não entrou em funcionamento por falta de uma portaria efetivando o órgão. Somente com a existência da pasta, o município poderia criar conselho e fundo municipais. O vice-prefeito não tem dúvidas de que a demora para o prefeito assinar a portaria acarreta prejuízos para Acreúna. "Se a secretaria já existisse, hoje estaríamos licenciando novos projetos e fiscalizando as queimadas e o plantio em áreas de preservação permanente. Do jeito que está, em caso de um acidente ambiental, dependemos da atuação de instituições de fora", critica. Ele afirma, ainda, que sem um código municipal do meio ambiente e um gestor na área, a administração municipal deixa de receber verbas da Agência Estadual do Meio Ambiente e do Ministério do Meio Ambiente.

Custo social
Marquez se diz preocupado com o fato da maioria das usinas estarem instaladas nos municípios limítrofes - como Paraúna, Santa Helena, Turvelândia e Maurilândia - e utilizarem terras de Acreúna para a plantação da cana. "No fim das contas, como somos uma espécie de pólo da região, a arrecadação vai para os vizinhos e a Prefeitura de Acreúna arca com os custos sociais", analisa. O vice-prefeito alega que o poder público não possui condições de arcar com as despesas provenientes da chegada de milhares de trabalhadores vindos do Nordeste. "Atualmente, eles já somam mais de 1,5 mil pessoas e, com o tempo, começarão a trazer seus familiares para a nossa cidade. O apoio financeiro das usinas para a construção de uma infra-estrutura que atenda esse contingente será fundamental." No entanto, o superintendente da Usina Canadá, Newton Chupri, disse à reportagem da Tribuna que a empresa ainda não definiu de que forma poderá contribuir no combate às mazelas sociais na cidade. A grande ajuda da indústria, na visão dele, será a geração de cerca de 1,2 mil empregos diretos.Na opinião do vice-prefeito, o grande desafio da instalação da monocultura é evitar o esmagamento dos pequenos e médios produtores rurais pelos grandes usineiros. "Especialmente aqueles que sempre estiveram ligados historicamente à produção de grãos e não sabem trabalhar com outra coisa. Esses homens não podem ficar à margem do desenvolvimento", advoga. E prossegue: "A criação de cooperativas pode ser uma alternativa para que o pequeno produtor negocie de igual para igual com o grande empresário".Marquez está convicto de que as benesses da instalação das grandes usinas ainda não puderam ser sentidas. "Por enquanto, não tivemos aumento na arrecadação e, como as usinas compram tudo o que necessitam de fora, o comércio vem sofrendo um duro efeito negativo.” (leia matéria abaixo) De acordo com ele, até o final do ano, prefeitura e Câmara devem realizar uma audiência pública com a participação dos usineiros para discutir formas de amenizar os custos sociais e o impacto ambiental da monocultura. "Estamos conscientes de que a lei que limita em 10% da área agricultável para a cana em Rio Verde não pode ser aplicada aqui. Nossa área é muito menor e ainda não contamos com o mesmo poder das indústrias e do comércio da cidade vizinha."

REPERCUSSÃO

Comerciantes e ruralistas estão apreensivos
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Acreúna, Ramilton Souza Pereira, confirma que o comércio local vem sofrendo baixas todos os meses. Na sua ótica, porém, o problema é mais amplo. "As empresas que estão fechando as portas são aquelas que não fizeram um planejamento para enfrentar as tribulações. Não se deve atribuir as dificuldades somente à proliferação da cana-de-açúcar, mas à crise do agronegócio como um todo", raciocina. Segundo ele, o fechamento temporário da Coteminas, que deve demitir 600 trabalhadores até o final do ano em seu projeto de reestruturação, é o principal responsável pela crise no comércio.Mais contundente, o presidente do Sindicato Rural do município, Afonso Henrique Pires, prevê um grande caos social em função da monocultura da cana na região e um impacto econômico negativo e irreversível. "Não existe um planejamento para as outras culturas, que serão pulverizadas. Os pequenos e médios produtores serão extintos porque não terão outra opção a não ser arrendar ou vender suas terras. O cooperativismo funciona para outras áreas, não para o setor sucroalcooleiro. É tolice pensar que o pequeno produtor terá condições de negociar com as multinacionais", teoriza. O efeito da monocultura canavieira, na visão do líder ruralista, será devastador. "Os usineiros adquirem tudo de fora, desde o parafuso até as grandes máquinas", enumera. Para ele, faltam políticas adequadas ao setor por parte de todas as três esferas do poder. "Os governos deveriam promover a conscientização da população sobre o assunto. Além disso, o financiamento para a construção de novas usinas deveria ser limitado de acordo com as características e a vocação de cada município."

terça-feira, 25 de setembro de 2007

"PT fez esquema criminoso em Montividiu"

Três meses e sete dias após ter assumido o cargo de prefeito de Montividiu, no dia 1º de janeiro de 2005, Adolfo Gonçalves Pereira (PPS) teve seu mandato cassado em virtude de condenação por prática de crime eleitoral. Dois dias depois, Marcelo Silva Santos (PHS) perdeu o seu diploma de vereador pelo mesmo motivo. Agora, desde o último dia 12 - ironicamente a mesma data em que Renan Calheiros (PMDB) fora absolvido no Senado -, os dois começaram a cumprir pena de seis anos de prisão no regime semi-aberto em Rio Verde. Entre os 186 prefeitos cassados desde as últimas eleições municipais em todo o Brasil, Adolfo é o único que está preso. Ele e o ex-vereador acusam o Partido dos Trabalhadores da criação de uma farsa para subir ao poder.Além da obrigação de pousar todas as noites na cadeia, de segunda a sexta-feira, e de permanecerem presos todos os finais de semana e feriados, durante seis anos, os dois foram condenados a uma multa de 10 mil UFIRs e outra de mais de R$ 30 mil. Eles ainda perderam os direitos políticos por oito anos. "Não bastasse a cassação do mandato, fomos submetidos a uma quantidade de penalidades exagerada por apenas um crime", advoga Adolfo, que foi vice-prefeito em 1988, prefeito em 1992, novamente vice-prefeito em 2000 e, pela segunda vez, eleito prefeito do município emancipado de Rio Verde em 1987. Em seu lugar, assumiu o segundo colocado na disputa majoritária, Edson Bueno Coutinho (PT), e a cadeira que Marcelo tão brevemente ocupou na Câmara foi avocada pelo suplente Luiz Carlos Ribeiro. Os dois afirmam estar de cabeça erguida e dispostos a contestar a sentença proferida pela juíza da Justiça Eleitoral Stefane Fiúza Cançado Machado e levada à execução pelo juiz da 4ª Vara Criminal de Rio Verde, Levine Raja Gabaglia Artiaga. A magistrada acatou a denúncia criminal feita pelo Ministério Público Eleitoral de compra de votos e transporte de eleitores de Rio Verde para Montividiu para fraudar as eleições. Poucos dias após o resultado das urnas, cinco eleitores formalizaram declaração pública em um cartório de Goiânia alegando que, a mando do ex-prefeito, o vereador cassado teria oferecido R$ 50 a cada um deles para que votassem no candidato do PPS. "Não existe nenhuma prova documental", contesta Adolfo. Segundo o ex-parlamentar, as pessoas que fizeram a denúncia na capital eram pobres e analfabetas e teriam sido orquestradas pelas mãos do PT do atual prefeito e presidente da sigla. "Em Rio Verde e Montividiu existem cartórios. Para quê ir até Goiânia fazer a denúncia? Será que isto não interferiu na montagem do processo?", insinua. O ex-prefeito rebate a denúncia de que teria oferecido refeição em sua residência para eleitores com uma crítica aos órgãos fiscalizadores. "Com a fiscalização do juiz, promotores, polícia e dos próprios adversários, se isso fosse verdade, por que não quiseram me prender em flagrante?", questiona. "Além do mais, se existiu realmente compra de votos, as pessoas que venderam os votos também deveriam estar presas", adiciona.

"Bode expiatório"
Os advogados dos dois sentenciados trabalham com a tese de que o PT teria criado uma ardilosa estratégia para tomar o poder indiretamente em todos os municípios em que ficasse em segundo lugar. "Desde o período da campanha, os petistas afirmavam que iriam conquistar a prefeitura por bem ou por mal", ataca Marcelo. Como eram analfabetos, sustenta ele, os denunciantes tiveram suas assinaturas forjadas por funcionários do município. O ex-prefeito e o ex-vereador acreditam que deveriam ser colocados em regime domiciliar por não oferecerem perigo para a sociedade e apontam contradições na forma de cumprimento da pena estabelecida pelo juiz da Vara Criminal. "O próprio dr. Levine alardeia que o semi-aberto é destinado para progressão de pena, ou seja, criminosos que já cumpriram parte da sentença e evoluíram para essa condição e também para os que foram condenados a menos de oito anos de cadeia. Somos os primeiros e únicos a ir direto para o semi-aberto", critica Adolfo.Em relação ao juiz eleitoral da Comarca de Rio Verde, José Proto de Oliveira, o ex-prefeito é ainda mais contundente. "Tenho certeza absoluta de que ele não põe a cabeça no travesseiro com a mesma tranqüilidade que eu. Ele causou prejuízos para toda a população de Montividiu." Adolfo acusa o magistrado de arbitrariedades e de impor sua vontade acima das determinações da lei. "Ele passou por cima do Legislativo ao empossar e diplomar o prefeito, uma atribuição que cabe ao presidente da Câmara." Segundo Adolfo, a mudança repentina no comando do Executivo deu origem à paralisação de diversas obras sociais para Montividiu. "Como eu era um prefeito aliado ao governador, tinha bom trânsito político e maneiras mais eficientes do que o atual prefeito de conseguir recursos para a construção de um terminal rodoviário, uma creche e um asilo. O meu sucessor não possui capacidade para dar seqüência aos projetos", protesta. Os dois não titubeiam ao dizer que a condenação deverá ser utilizada por seus adversários no processo sucessório do ano que vem e ao reclamar que, até agora, não receberam manifestações de solidariedade de nenhum de seus aliados políticos.

Autoridades rebatem críticas
O atual prefeito do município, Edson Bueno Coutinho, negou que o Partido dos Trabalhadores tenha montado qualquer tipo de esquema ilícito para forçar a cassação do mandato de Adolfo Gonçalves Pereira. "A Justiça comprovou que, de fato, houve captação de sufrágio, ou seja, mais de 1,5 mil eleitores foram trazidos de fora para votar em Montividiu", explica. Segundo Edson, as pessoas que procuraram o Ministério Público em Goiânia para denunciar a compra de votos agiram por conta própria. "Eles decidiram protocolar as denúncias na capital por medo de sofrerem represálias, caso fizessem as acusações em Montividiu ou em Rio Verde", complementa. "Ele pode falar o que quiser. O fato é que nossas acusações foram comprovadas pela Justiça", pontua Edson.José Proto de Oliveira, juiz da comarca de Rio Verde, disse que as acusações do ex-prefeito carecem de fundamentação e embasamento. "Ele recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral e perdeu. Depois, entrou com objeto de recursos no Tribunal Superior Eleitoral e a minha decisão novamente foi mantida. Então, se eu tivesse sido arbitrário, minha decisão não teria sido aprovada em todas as instâncias", declara. Já o juiz da 4ª Vara Criminal de Rio Verde, Levine Raja Gabaglia Artiaga, afirma que apenas cumpriu a sentença proferida pela juíza eleitoral Stefane Fiúza Cançado Machado. "Ela determinou que a pena começasse a ser cumprida a partir do regime semi-aberto, em conformidade com o que estabelece o Código Penal". O magistrado esclarece que o benefício do regime domiciliar só é permitido aos condenados acometidos de doenças graves e que precisam de tratamento permanente. "O fato de não oferecerem perigo para a sociedade não justifica a progressão para outro tipo de regime." Para evoluírem para o regime aberto, os condenados terão de cumprir pelo menos um sexto da pena.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

O Padre Rebelde

“Padre Mariano Ignácio de Souza. Vigário desta freguesia (31 annos). Nesta cova está apenas o seu corpo alquebrado pelos annos e pelos desenganos. A sua alma, esta está no coração das crianças pobres que ele amou”





Defensor ferrenho das propriedades da Igreja Católica em Rio Verde no final do século 19 e nas primeiras décadas do seguinte, Padre Mariano, primeiro vigário e autor da ordem de construção da Igreja São Sebastião, tem seu túmulo redescoberto após 80 anos em uma reforma do prédio. Morto, tornou-se uma lenda. Em vida, o pároco foi expulso do município e retornou por força de Carta Imperial. Desafiou costumes do celibato e da sociedade de sua época para poder viver com duas mulheres. Além disso, vingou-se da truculência dos oligarcas com pragas tremendas.


O transcorrer da reforma na Igreja São Sebastião tem revelado mais do que os sinais do tempo, como paredes corroídas e um teto que, como querem os católicos, só não havia caído por força do santo padroeiro do município. Os reparos estruturais e de estilo no templo mais antigo de Rio Verde desvendaram o que era uma incógnita até mesmo para muitos religiosos: o local exato da sepultura de Padre Mariano Ignácio de Souza, enterrado no templo no dia 23 de março de 1917. Foram precisos oitenta anos para que - praticamente por acaso – os trabalhadores da reforma iniciada em abril deste ano encontrassem, logo atrás do altar e sob um piso de cimento, o sepulcro do primeiro pároco da igreja e autor da ordem de sua construção em 1907.
Designado para a Freguesia de Nossa Senhora das Dores do Rio Verde em 1887 e dono do nome da praça localizada em frente à basílica, o padre figura como uma das figuras mais autênticas nos 159 anos de história do município. Testemunhas de um passado distante no tempo, como Maria Rosa de Jesus, de 106 anos, que recebeu dele o batismo e presente em seu sepultamento, relatam que o homem protagonizou inúmeros causos, mesmo depois de sua morte. Filha de um dos oleiros responsáveis por uma grande parte do que foi construído na pequena cidade de então e neta de uma das primeiras escravas libertas no final do século 19 na região, ela se recorda que o padre vivia em uma chácara onde hoje existe o campus da Fesurv - Universidade de Rio Verde. Segundo ela, muita gente evitava transitar perto do lugar por ter ouvido histórias de aparições do religioso. Outros garantiam ter se deparado com a imagem fantasmagórica de seu caixão em outras localidades, como beiras de rios ou próximo da igreja.
Se mesmo depois de morto o antigo pároco da São Sebastião foi capaz de gerar polêmica, em vida foi ainda mais intrigante. Não somente por ter quebrado costumes do celibato, mas também de sua época. Padre Mariano viveu em matrimônio com duas mulheres ao mesmo tempo: Joaquina Alvez Viana, conhecida vulgarmente como “Sá” Joaquina, e Ignês Pauliciana Ribeiro, ambas notórias na comunidade por serem extraordinariamente gordas e altas. De acordo com o relato da hoje centenária rio-verdense, as duas nunca conseguiram ter controle sobre o ciúme e se atracavam em público por questões pequenas. Diante disso, ele acabou tendo de se explicar perante as autoridades eclesiásticas. A pressão resultou no seu licenciamento da Igreja São Sebastião para que fosse reger a Paróquia de São Domingos do Araxá, em Minas Gerais. Conta no livro Goiás, de Victor Coelho de Almeida, que o modo patriarcal de vida dos vigários era prática corrente no sertão. Mas a poligamia talvez não.

Em uma época em que os limites das propriedades eram costumeiramente marcados com sangue, ele sofreu enormes coações por ter enfrentado o poder dos oligarcas em defesa do patrimônio da igreja. No dia em que partia para o exílio mineiro – uma jornada que duraria mais de 30 dias - um rico coronel lhe preparou uma despedida cruel e sarcástica. Conhecido apenas como Souza, ele encomendou a seis de seus capangas uma salva de fogos e todo o tipo de afronta moral para comemorar a derrota do ministro católico. Graças à bondosa interseção de um fazendeiro em favor do padre, o homem acedeu, retirando-se da porta da residência do pároco. Consta que, abatido e chorando sobre o dorso de um cavalo, antes da melancólica viagem padre Mariano rogou uma praga tremenda ao mandão: o coronel haveria de “morrer varado de balas da cabeça aos pés”. Tempos mais tarde, após uma desavença na freguesia, o poderoso encontrou o destino anunciado pelo religioso.
Em outra ocasião, um senhor conhecido como Guido esteve no templo à procura de padre Mariano para que este batizasse uma criança. Sem ter encontrado o pároco em lugar nenhum da cidade, foi achá-lo em uma fazenda. Furioso, ele chegou ao local disposto a dar uma surra no pároco. “Sá” Joaquina, então, atirou-se a seus pés, implorando clemência. Mesmo assim, padre Mariano foi conduzido de volta à igreja sob xingamentos e safanões. Depois de abençoar a criança, recebeu em troca novos desaforos. Diante da circunstância, proferiu mais uma maldição que, conforme garante o autor do livro, teria se cumprido mais tarde: Guido haveria de passar “largos anos entrevado em uma cama”.
Após quase um ano de exílio, padre Mariano retornou a Rio Verde por conta de uma Carta Imperial que o distinguia como vigário colado. Por parte de alguns poderosos, reencontrou um ambiente hostil, mas, no salão da Câmara Municipal, que funcionava à Praça da Matriz (hoje Ricardo Campos), foi realizado um baile para celebrar o acontecimento. Além das ciências comuns dos clérigos, ele era exímio conhecedor do vernáculo e da língua francesa. Formalista, mas dono de rompantes de nervosismo, escreveu, de volta a Minas Gerais, uma carta de desabafo e rancor ao Bispo Dom Eduardo que, entre outras coisas, continha os seguintes dizeres: “Estou cansado do sertão, desanimado das lutas estéreis, onde não se tem menor garantia, nem espiritual, nem pessoal, nem social (...) Lugar disciplinado só para assassinos e valentões bafejados pela perfídia dos velhos capitães mores e sub-régulos responsáveis perante Deus pelas muitíssimas mortes de que foram autores e causadores: é um horror!(...) Pobre Freguesia, qual uma esposa adúltera rejeitada por todos os vigários que infelizmente ali vão esposá-la na boa fé da Freguesia rendosa, (...) obstruindo os caminhos do Senhor!”.
Em sua lápide está escrita a seguinte mensagem: “Padre Mariano Ignácio de Souza.
Vigário desta freguesia (31 annos). Nesta cova está apenas o seu corpo alquebrado pelos annos e pelos desenganos. A sua alma, esta está no coração das crianças pobres que ele amou”.

“Endeusamento do artista é péssimo”


Uma das maiores personalidades da cultura brasileira no mundo, o pianista Arthur Moreira Lima aportou em Rio Verde para uma apresentação a céu aberto no Calçadão no dia 23 de junho de 2007. O carioca de 67 anos já fez turnês em todos os continentes, lotando as principais salas de concertos do mundo e, desde 2003, refaz os passos de Juscelino Kubistchek pelos rincões do Brasil. De lá para cá, já percorreu quase 200 municípios com o projeto Um Piano pela Estrada, Nos Caminhos de JK. A entrevista foi gravada no Bar 5ª Essência, onde, entre um chopp e outro, ele defendeu o papel transformador do artista na sociedade e revelou a influência do pensamento de Leonel Brizola e Darci Ribeiro. Para ele, o endeusamento de artistas representa sublimação da inveja dos fãs.


Entre as orquestras que o senhor já se apresentou estão a Orquestra Sinfônica Brasileira, as Sinfônicas de Berlim e Viana e as Filarmônicas de Varsóvia, entre outras. Nessa fase atual o sr. tem tocado em cidades pequenas do interior, passando por apresentações até mesmo em tribos indígenas e populações ribeirinhas. Qual é o aprendizado que o artista tira do público através dessa experiência?
Eu aprendi que, no geral, o público que parece mais sofisticado não é o mais sofisticado ou sequer possui uma sensibilidade maior para a arte. Muitas vezes, ele só tem mais poder econômico e mais oportunidades de acesso para esse tipo de manifestação artística. Tenho encontrado muitos diamantes não lapidados em vários lugares, muito talento mesmo. Por que não é só o talento para tocar determinado instrumento, é o talento para receber e apreciar a obra de arte. Quando eu era pequeno existia uma empregada na casa da minha mãe que só escutava música clássica no rádio. Não era por causa de religião nem porque alguém falou, ela realmente gostava daquilo. O fato de ser pobre e uma ignorante aos olhos da maioria não impediu que ela desenvolvesse a sensibilidade de apreciar música erudita. Na verdade, não deveria existir nenhuma contradição nisso.


Desde 2003, o sr. já se apresentou em mais de 200 municípios brasileiros. Isso após ter conquistado prestígio nacional e internacional. O que o projeto Um Piano pela Estrada representa na sua carreira?
Eu não acho que eu tenha bem o que se chama de carreira, mas algo como uma profissão de fé mesmo. Eu me vejo mais ou menos como um padre de uma cidade pequenininha do interior, que pensa no seu rebanho e em ir, pouco a pouco, apascentando as ovelhas. Um padre que não quer ser papa, nem cardeal, nem nada, mas apenas se dirigir aos irmãos dele. Tem médico que vai para o interior e, enfim, se contenta em ganhar uma galinha ou um porco e salvar vidas. Vale muitas vezes mais do que um medalhão que fica lá cobrando uma fortuna para te atender. Transferindo isso para a música, eu atingi um patamar de sucesso na minha profissão em que eu posso me permitir fazer essa busca que para mim é uma referência do ser humano, do brasileiro. Muito mais do que esse endeusamento que muitos artistas promovem ao redor de si e todas essas bobagens. Eu trabalho pela dessacralização da música que eu toco para um povo tão profundamente agradecido que é o brasileiro. Então, antes de ser pianista, artista, qualquer coisa, eu sou um brasileiro. Eu gosto de ser brasileiro. Eu não sei por que, mas eu gosto pra valer. Eu acho que todos que nascem aqui nascem com o dom dessa abstração político e geográfica fabulosa que eu chamaria de alma brasileira. A gente é condenado a muita chateação também, mas tem esse lado que é simplesmente mágico.


O artista, então, deve exercer uma função social?
Eu tenho certeza que sim. Eu acho que o Brasil precisa se afirmar. Eu acredito estar dando a minha pequena contribuição para a gente se tornar uma nação. Nós temos tudo para isso. Eu tive a sorte e a honra de trabalhar com Leonel Brizola e Darcy Ribeiro no governo do Rio de Janeiro, como secretário de Cultura. O Darcy, que foi uma das pessoas mais iluminadas que eu já conheci, uma alma bonita e um dos brasileiros mais brilhantes e interessados com os problemas da sociedade... a sensibilidade do Brizola, aprendi muito com eles. Eu acho interessante que hoje, depois que o Brizola morreu, todo mundo reconheça o que ele fez. Até os que não gostavam dele. Isso é mesmo impressionante. Eu tive o privilégio de levar atenção e cultura para pessoas carentes do Estado ao lado desses dois homens, tenho certeza de que foi um trabalho que ajudou a quebrar a idéia de relação das pessoas com a arte, uma coisa autêntica que só seria possível no Brasil.


Antes de executar cada música, o sr. fala ao público sobre o momento histórico e político em que ela foi feita, sobre a vida do autor, enfim, contextualiza a platéia acerca daquela obra. Isto enriquece muito a maneira de entender a música...
Claro... é isso que dá toda a diferença. Você que é jornalista sabe que é importante passar um pouquinho de informação em tudo. Até no futebol a gente quer saber com quem o jogador namora, não é mesmo? Eu adoro futebol. Eu tenho mania de querer saber quantos anos tem o jogador, de qual clube ele veio, esse negócio todo. Olhe bem, o futebol é uma coisa importada e que faz parte da nossa cultura. A música clássica não faz, mas pode vir a fazer. Você tem que mostrar para as pessoas que você é igual a elas, que você não está em pedestal nenhum e que sabe que não é merda nenhuma. Eu sou uma pessoa que teve a oportunidade de estudar e de desenvolver um talento. Muitos outros não tiveram a mesma sorte, mas, como eu disse, o Brasil está repleto de diamantes que precisam ser lapidados. A gente precisa tratar as pessoas de igual para igual. Eu acho que o endeusamento do artista é uma coisa péssima. Eu sei que o povo necessita de heróis, mas ele não precisa da ligação que desperte em seu íntimo a inveja. Eu considero o fã a sublimação da inveja humana.


Ser um artista de música erudita faz o sr. se sentir de alguma forma oprimido diante da força da indústria cultural?
Não, sinceramente. Eu acho que sempre vão existir os nichos e que você tem que tentar convencer as pessoas. Isso em qualquer área da sua vida. Quando o Darcy e o Brizola resolveram montar toda aquela apoteose para as escolas de samba no Rio de Janeiro, eles desagradaram aqueles que queriam ganhar dinheiro com as arquibancadas. Nesse ponto eu aprendi muito quando trabalhei no governo. As pessoas que chegam contrariando uma série de interesses causam reações. Basta ver a situação do Hugo Chávez na Venezuela. Existem várias formas de você conduzir uma pessoa a responder o que você quer em uma pesquisa. “Você concorda com o fechamento das televisões?” pode ser uma maneira de fazer isso. Eu não acredito em um monte de estatísticas que eu vejo na televisão. O povo da Venezuela não está contra o seu presidente coisa nenhuma. Eu vivi quase dez anos na União Soviética e sei disso, sobre as perseguições e tudo mais. Eu me considero um operário da cultura.

sábado, 1 de setembro de 2007

A casa dos loucos


Professores, engenheiros, e até um bancário, de 33 anos, que se incumbiu pessoalmente da missão de salvar toda a sociedade ocidental de um poderoso e, ao mesmo tempo misterioso, ataque atômico dos antigos comunistas do leste europeu. Uma senhora que não pára nunca de contar e que, baseando-se no dia do mês de nascimento do interlocutor, calcula imediatamente em que dia da semana será o próximo aniversário e também dos anos anteriores. Uma mulher que se julga uma riquíssima empresária. Um jovem que gosta de se gabar de suas fazendas imaginárias e promete volumosas doações em dinheiro para os colegas, funcionários e para as visitas. A mania de grandeza é comum à maioria dos mais de 100 habitantes nos dois sanatórios psiquiátricos de Rio Verde.
Responsável há quase 15 anos pelo tratamento dos pacientes que dão entrada no Hospital Marat de Sousa e no Sanatório Espírita Dona Marieta, o psiquiatra José Vitor Pires Bicalho não recebe exclusivamente pessoas que nasceram com doenças congênitas no cérebro. Entre os internos que moram cercados por muros altos, não é difícil encontrar gente que levava uma vida normal até bem pouco tempo e hoje passa por tratamento mental. Existem também pessoas que são tratadas por alguns meses e depois se recuperam totalmente, alcoólatras que atingiram estágios irreversíveis de loucura e, entre outros, pacientes que sofrem com quadros avançados de depressão ou mania de perseguição. A idade varia de 14 a 80 anos.
Embora não tenham sido condenados por nenhum tipo de crime, os deficientes mentais levam uma vida bastante semelhante com a de qualquer população carcerária. Há casos de internos que já receberam alta da direção há muitos anos, mas, rejeitados pela família e pela eterna incompreensão da sociedade, permanecem o resto da vida privados da liberdade. Os dois hospícios estão sempre com lotação máxima. Eles acolhem deficientes que, esquecidos pelos parentes, chegam sem ter mais do que a roupa do corpo e não nunca são procurados. “A família deixa o doente aqui e não vem trazer um lanche que seja, ou mesmo roupas novas e objetos de higiene pessoal”, reclama Andréa Rodrigues de Sousa, diretora do Hospital Marat.
O médico se diz testemunha de que o acompanhamento da família é fundamental no tratamento. Os pacientes abandonados, geralmente, entram em depressão e agravam os transtornos já existentes. A assistente social Mithela Izidoro Siqueira relata o caso de uma mulher que já recebeu liberação diversas vezes, mas depois retorna em situação pior. “Ela vem de uma família totalmente desequilibrada. Após pouco tempo sendo maltratada pelos parentes, ela volta com um quadro ainda mais triste.” É comum que alguns residentes permaneçam toda a vida esperando e perguntando pela volta dos que os deixaram ali.


Estrutura
O Hospital Marat de Sousa é uma empresa privada, criada em 1973 pelo psiquiatra que dá nome à instituição e que faleceu em 1983. O Sanatório, administrado por Silvani Martins da Silva, filha de Antônio Martins, que fundou a casa há trinta nos, é constituído como entidade filantrópica. As duas instituições recebem auxílio do Sistema Único de Saúde e também algumas doações da sociedade. Para atender as normas do SUS, cada uma conta possui equipe médica formada por psiquiatra, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, médico clínico e farmacêutico. O órgão federal exige cumprimento de regras definidas de hotelaria, medicação e alimentação.
A direção das duas casas faz campanha permanente para que a sociedade contribua durante todo o ano. Conforme protesta a advogada Márcia Cunha, auxiliar administrativa do Marat, o espírito de solidariedade da maioria da sociedade parece não sobreviver fora do natal. “Por não sermos uma instituição filantrópica, recebemos poucas contribuições”, considera.
O tratamento é individualizado, e o tratamento ambulatorialé feito de acordo com a deficiência. A eletro-convulsoterapia, popularmente conhecida como tratamento de choque, não é utilizada por falta de recursos. “Precisaríamos de uma estrutura que não temos, com sala especial de ressucitação e o acompanhamento de um anestesista”, explica José Vitor. Segundo o psiquiatra, apesar do preconceito que cerca o tratamento com ondas elétricas, ele ainda é uma das maneiras mais eficazes de se tratar os quadros mais avançados de loucura.


Atividades
Os residentes das duas casas praticam atividades lúdicas e se beneficiam das visitas de voluntários de clubes de serviço, entidades filantrópicas e grupos que se reúnem com o intento de levar solidariedade e diversão. Além de consulta laboratorial, fisioterapia e educação física, também são oferecidas aulas de artesanato, desenho e de cuidados pessoais e coletivos de higiene. No Marat, existe o “Dia da Beleza”, quando as residentes passam por maquiagem e manicure.
Uma vez por semana, a assistente social Marilaque Barros da Silva e a terapeuta ocupacional do Sanatório Mithcela Izidoro Siqueira, levam um grupo de até quinze pessoas para passear no centro da cidade. Até no cinema eles já estiveram. “Levá-los ao supermercado, à sorveteria praças, apesar do preconceito com que muitas vezes somos recebidos, é uma excelente forma de socialização”, garante a terapeuta.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O Portal Grito

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